quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Medos bobos e coragens absurdas

Desde que resolvi voltar a escrever, a minha cabeça borbulha com ideias sobre o que escrever. Uma das coisas que eu não posso deixar de escrever é sobre a minha saúde emocional. Não que eu ache que alguém esteja interessado na minha saúde emocional especificamente, mas porque eu percebo que quando eu conto pras pessoas sobre as minhas experiências, o mundo parece que se divide em dois grupos, o grupo das pessoas que acham que crise de ansiedade é "falta de um quintal pra carpir" e o grupo de pessoas que dizem "obrigado(a) por compartilhar, agora eu sei que não estou só". 

Entre indas e vindas, e tendo passado por 4 psicólogas maravilhosas com linhas bem diferentes uma da outra, já faz doze anos que eu faço psicoterapia. Eu acho que todo mundo deveria fazer terapia e se conhecer melhor, mas entendo que muita gente prefira não tirar essa armadura invisível que simbolicamente deixa nosso coração protegido de todas as dores. Eu confesso, tirar essa armadura e cavocar as mágoas adormecidas, as experiências que nosso subconsciente nos faz esquecer justamente pra não sofrermos, as nossas raivas, os nossos medos, enfim, dói MUITO. 

É bem comum eu terminar a sessão com ódio mortal da psicóloga ou então simplesmente parar a terapia por achar que não tem mais nada pra tratar. Eu mesma já precisei de um tempo da terapia porque o negócio tava complicando e eu inconscientemente criava um mecanismo de defesa que me fazia sentir que estava tudo bem. Ainda bem que uma das minhas psicólogas observou o padrão e pude perceber que sempre que eu tava querendo fugir da terapia era porque eu precisava trabalhar algo mais do que nunca.

Em 2016 foi um desses momentos que eu fugi da terapia. O ioga tava me fazendo muito bem, eu fazia ioga massagem ayurveda, o que também era uma forma de terapia, mas não era falado, era sentido, era diferente. Final de 2016 pedi demissão e mudamos pra Califórnia. Eu só chorava, dia e noite, incluindo madrugadas. Com o tempo, passei a dormir. Levava os meninos na escola, voltava pra casa e dormia, se tivesse acordada, tava chorando. Buscava os meninos na escola, voltava pra cama e dormia (Essa foto é dessa época, tentando um sorriso pra poder postar a vida maravilhosa no Instagram, mesmo de óculos de sol, da pra ver beeeem que tá forçado).

A vida estava tão linda acontecendo no Brasil, não parava de chegar mensagem no meu whatsapp de pessoas procurando doula ou consultora em aleitamento (coisa que nunca aconteceu enquanto eu estava no Brasil), mas eu estava lá, sozinha, num país completamente diferente, tendo que segurar a barra da adaptação dos meninos, tendo que aprender tudo sobre tudo, num inverno frio e chuvoso enquanto todo mundo postava foto de biquini e tomando caipirinha na beira da praia (e sim, na California costuma ter problemas com seca, mas a seca acabou quando chegamos, pois choveu de forma atípica por mais de um mês).

Comecei a perceber que barulhos altos e repentinos me causavam aflição, um aperto no peito instantâneo. Notei que cada vez que eu ouvia o barulho de um avião, eu achava que iam soltar uma bomba na minha cabeça. E isso acontecia dezenas de vezes num dia, já que morávamos relativamente perto do aeroporto. Cada barulho de ambulância, um desespero, uma sensação horrível, um medo absurdo, coração disparado. Foi quando eu mandei mensagem pra minha psicóloga dizendo "eu preciso de ajuda, não estou bem".

Comecei então a fazer terapia com a minha psicóloga do Brasil por video no whatsapp. Fui organizando dentro de mim todos os sentimentos, o desmontar a casinha de lego, a perda de referência, e vários outras coisas que não dá pra compartilhar aqui. Os sustos foram diminuindo e achei que eu já podia viver sem terapia de novo.

Engano meu. Em pouco tempo, cada mínima dor que eu sentia eu achava que era câncer e que eu ia morrer semana que vem. Mesmo aperto no peito, coração disparado, desespero. Algumas vezes eu acho que não sei mais respirar, as vezes acho que não sei engolir saliva e dali desencadeiam as nóias.

É óbvio que eu sei que todos esses pensamentos são irreais. Eu não sei de onde eles vem e eu juro que tento controlá-los. Na maioria das vezes eu consigo, mas muitas vezes não. Nas crises mais fortes eu sinto o rosto adormecer e fico igual a um zumbi, com tempo de resposta super longo, não consigo raciocinar e muito menos tomar qualquer decisão simples. Depois que passa, vem uma dor no corpo, daquelas que a gente sente quando pega uma gripe.

Eu costumo acordar apavorada no meio da noite, assustadíssima, com pensamentos completamente sem sentido, tipo quando meu pai estava na UTI e eu acordava de madrugada em desespero porque tinha dado o remédio errado pra ele, sendo que eu nunca encostei em medicamento algum.

Cada ambulância que passa, meu coração dispara. Se for no horário que o Felipe está indo ou voltando da escola mesmo, eu não consigo respirar até ele me responder que está bem. Se ele leva cinco minutos a mais do que o normal pra chegar em casa, eu entro em parafusos. E ele é um adolescente, isso vai acontecer muito. Eu explico pra ele que eu fico muito nervosa quando ele não responde e que desencadeia as minhas crises, ele entende e colabora muito. Mas eu não quero ficar enchendo o saco dele. Eu tento evitar, mas as vezes prefiro ligar, e ser uma mãe chata, do que deixar uma nova crise chegar.

Esse post não é um pedido de ajuda. Não adianta me dizer pra ir pegar um ar puro, ou fazer meditação, ou que eu tenho que mudar meu mindset. Eu sei, racionalmente, tudinho o que eu tenho que fazer. E faço. A questão é que quando a crise vem, o racional desliga. Eu tenho o privilégio de ter pessoas com quem eu posso contar quando eu sinto que a coisa está complicando. E essas mesmas pessoas contam comigo também quando precisam pelas mesmas razões. É uma espécie de irmandade das pessoas ansiosas. Não adianta explicar pra quem nunca teve uma crise, ela muito provavelmente vai vir com receitas pra sua cura, o que é extremamente irritante.

Mas Carol, tu não tens vergonha de mostrar tuas fraquezas? É óbvio que tenho!!! Esse post é pra ajudar quem também passa por isso. Pra que saibam que não estão sós e que podem contar comigo pra ouvir os pensamentos mais absurdos na hora da crise, porque sim, saber que não estamos sozinhos faz toda a diferença. E só pra deixar bem claro, a ansiedade não me define, ela é só um pedacinho de mim.

5 comentários:

  1. Legal vc compartilhar Carol! Já passei por isso e sei bem como é... Difícil controlar nossa mente.

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  2. Que legal, Carol. Parabéns pela coragem. Teu relato ajuda a desconstruir alguns tabus e algumas pessoas a se sentirem compreendidas. Pena que está plataforma não permite compartilhamrnto pelo Instagram.

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  3. Puxa... Só tenho a agradecer por ter lido... Você sabe um pouco de mim e o que sinto... Tenho que lidar com a ansiedade do meu marido e temo por sentir o mesmo que ele ou até pior, que minha filha possa sentir isso um dia... Apesar disso tudo acho que ainda não sei lidar bem com esse problema...

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