quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Minhas impressões sobre a educação na Irlanda

O Lipe tem quase treze anos e ele já estudou em nove escolas ao longo da vida. O Pablo com nove anos de idade estudou em sete escolas.  Eles foram pra escola aos cinco e seis meses de idade respectivamente e nos mudamos bastante, mas também nós trocamos eles de escola algumas vezes buscando alguma opção melhor. Até que trocamos de país buscando uma educação melhor. 

Foi maravilhoso, foi incrível, foi mágico, mas não foi perfeito. Eles estudavam em escolas nota dez na classificação nacional, mas eram escolas sem diversidade alguma, com muita competitividade e muitos elogios vazios. O ensino na California não era tradicional, eles colocavam bastante a mão na massa, eram ensinados a questionar (em determinados assuntos, claro) e prometiam lealdade a bandeira americana todas as manhãs. Oi??? É, isso mesmo, mãozinha no peito todas as manhãs pra prometer lealdade a bandeira americana. Eu tentava abstrair e pensar só nas coisas bacanas.

Como já falei antes, nosso medo de mudar pra Irlanda era que de alguma forma impusessem o catolicismo na escola. Depois de dar um jeito de encontrar um irlandês pra me contar como eram as escolas e me falarem um pouco eu pensei, que mal há em rezar um "Pai Nosso" se hoje eles estão prometendo lealdade a um país que nem é deles?

Diferente de quando fomos pra California, dessa vez tinha uma empresa ajudando com todos os detalhes da nossa mudança. E uma coisa maravilhosa que eles fizeram foi encontrar uma escola que aceitasse os dois juntos e no último termo (as aulas são divididas em termos de uns três meses aproximadamente). Aqui na Irlanda é muito comum escolas só de meninos e só de meninas. Nós fizemos questão de que fosse uma escola mista.

As escolas mistas não são tão fortes academicamente. Mas depois de tantas escolas pela vida, entendemos que pra nós é importante que eles saibam lidar com as diferenças em todos os aspectos e aprendam coisas pra vida, como trabalhar em equipe, socializar, chegar no horário, organização, gostar de ler, viver em sociedade.

Pra nossa alegria, a escola tem gente de inúmeros países, inclusive, somos em quatro famílias brasileiras. Eles tem até um mapa simbolizando todos os países representados. E tem outros países sem o alfinete, porque de vez em quando alguém fica triste que seu país não tá representado e troca o negócio de lugar. Na turminha do Pablo são 23 alunos e somente 3 são irlandeses. Tem gente da Italia, Espanha, Polonia, Eslovaquia, Moldova, India, Filipinas e vários outros lugares que eu não gravei.

A escola é super pequenininha e eles tem uma funcionária que o trabalho dela é estreitar as relações entre a escola e os pais. Qualquer hora que eu quiser tomar um café na escola, ela vai estar lá, pra conversar, checar se tem leite e correr pra resolver alguma outra coisa. Ela também ajuda a associação de pais nos eventos pra arrecadar dinheiro e promove cursos gratuitos na cozinha da escola, eu já fiz curso de culinária e de educação de filhos, mas tem também de artesanato, decoração de bolos, já teve até ioga. Eu acho o máximo! Não tem voluntariado na sala de aula como tinha na Califórnia, mas tem esses eventos pra trazer os pais pra escola. 

Eu também acho fofo que em qualquer evento que envolva os pais, sempre tem café e biscoito depois, e nada de produto descartável. É xícara e pires, que a gente (os voluntários) lava depois e guarda. Eu acho tão gostoso, tão jeitinho de casa de vó, tão aconchegante.

Pra voluntariar em qualquer evento que envolva as crianças, tipo, na próxima semana terá o dia do cachorro quente, é necessário ser "garda vetted", que significa que tu mandou todos os teus dados pra polícia da Irlanda e eles disseram que ok, pode trabalhar com crianças que você é uma pessoa do bem.

O ensino é bem tradicional, professora explica, alunos sentadinhos escutando e depois fazem alguma atividade. Eles usam uniforme social (o Pablo usa até gravata) e nas regras da escola dizem que tem que estar de cabelo sempre bem cortado e penteado (meus filhos burlam essa regra diariamente, porque vivem descabelados).

E a religião, Carol? Como que funciona? Acho que essa foi a melhor surpresa. Aqui a primeira comunhão é dentro da escola. Faz parte do currículo. Quando chegamos, estavam a todo vapor se organizando pra primeira comunhão da turminha do Pablo. Aqui a primeira comunhão é um super evento. Depois da primeira comunhão na igreja, todos participaram de uma celebração na escola, advinhem! Com chá e biscoitos. E o mais maravilhoso de tudo é que as crianças não católicas participaram da celebração. Os cristãos não católicos rezaram o pai nosso nas suas línguas de origem, os hindus cantaram um mantra e o Pablo e a Karolina recitaram um poema sobre a amizade.

Todas as religiões são respeitadas e ninguém é obrigado a participar das atividades de religião. Durante as aulas de religião, os não católicos fazem desenhos, leituras, ou ficam só quietinhos, esperando a hora passar. Ninguém enfia nada goela abaixo. E a professora sempre tenta mostrar o que todas as religiões tem em comum, que somos um, e que todos devemos nos respeitar. Eu fico até arrepiada com isso. Eu acho que não existe lição melhor do que essa pra passar pras crianças.

Eu não sei se todas as escolas são assim, mas essa é a minha experiência com a escola do Pablo e eu queria muito ter tido essas informações disponíveis quando eu estava tentando decidir se queria vir pra Dublin ou não. No futuro vou fazer um post falando sobre o que eu gosto e o que eu odeio da escola do Felipe, que já foi pro ensino secundário.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Medos bobos e coragens absurdas

Desde que resolvi voltar a escrever, a minha cabeça borbulha com ideias sobre o que escrever. Uma das coisas que eu não posso deixar de escrever é sobre a minha saúde emocional. Não que eu ache que alguém esteja interessado na minha saúde emocional especificamente, mas porque eu percebo que quando eu conto pras pessoas sobre as minhas experiências, o mundo parece que se divide em dois grupos, o grupo das pessoas que acham que crise de ansiedade é "falta de um quintal pra carpir" e o grupo de pessoas que dizem "obrigado(a) por compartilhar, agora eu sei que não estou só". 

Entre indas e vindas, e tendo passado por 4 psicólogas maravilhosas com linhas bem diferentes uma da outra, já faz doze anos que eu faço psicoterapia. Eu acho que todo mundo deveria fazer terapia e se conhecer melhor, mas entendo que muita gente prefira não tirar essa armadura invisível que simbolicamente deixa nosso coração protegido de todas as dores. Eu confesso, tirar essa armadura e cavocar as mágoas adormecidas, as experiências que nosso subconsciente nos faz esquecer justamente pra não sofrermos, as nossas raivas, os nossos medos, enfim, dói MUITO. 

É bem comum eu terminar a sessão com ódio mortal da psicóloga ou então simplesmente parar a terapia por achar que não tem mais nada pra tratar. Eu mesma já precisei de um tempo da terapia porque o negócio tava complicando e eu inconscientemente criava um mecanismo de defesa que me fazia sentir que estava tudo bem. Ainda bem que uma das minhas psicólogas observou o padrão e pude perceber que sempre que eu tava querendo fugir da terapia era porque eu precisava trabalhar algo mais do que nunca.

Em 2016 foi um desses momentos que eu fugi da terapia. O ioga tava me fazendo muito bem, eu fazia ioga massagem ayurveda, o que também era uma forma de terapia, mas não era falado, era sentido, era diferente. Final de 2016 pedi demissão e mudamos pra Califórnia. Eu só chorava, dia e noite, incluindo madrugadas. Com o tempo, passei a dormir. Levava os meninos na escola, voltava pra casa e dormia, se tivesse acordada, tava chorando. Buscava os meninos na escola, voltava pra cama e dormia (Essa foto é dessa época, tentando um sorriso pra poder postar a vida maravilhosa no Instagram, mesmo de óculos de sol, da pra ver beeeem que tá forçado).

A vida estava tão linda acontecendo no Brasil, não parava de chegar mensagem no meu whatsapp de pessoas procurando doula ou consultora em aleitamento (coisa que nunca aconteceu enquanto eu estava no Brasil), mas eu estava lá, sozinha, num país completamente diferente, tendo que segurar a barra da adaptação dos meninos, tendo que aprender tudo sobre tudo, num inverno frio e chuvoso enquanto todo mundo postava foto de biquini e tomando caipirinha na beira da praia (e sim, na California costuma ter problemas com seca, mas a seca acabou quando chegamos, pois choveu de forma atípica por mais de um mês).

Comecei a perceber que barulhos altos e repentinos me causavam aflição, um aperto no peito instantâneo. Notei que cada vez que eu ouvia o barulho de um avião, eu achava que iam soltar uma bomba na minha cabeça. E isso acontecia dezenas de vezes num dia, já que morávamos relativamente perto do aeroporto. Cada barulho de ambulância, um desespero, uma sensação horrível, um medo absurdo, coração disparado. Foi quando eu mandei mensagem pra minha psicóloga dizendo "eu preciso de ajuda, não estou bem".

Comecei então a fazer terapia com a minha psicóloga do Brasil por video no whatsapp. Fui organizando dentro de mim todos os sentimentos, o desmontar a casinha de lego, a perda de referência, e vários outras coisas que não dá pra compartilhar aqui. Os sustos foram diminuindo e achei que eu já podia viver sem terapia de novo.

Engano meu. Em pouco tempo, cada mínima dor que eu sentia eu achava que era câncer e que eu ia morrer semana que vem. Mesmo aperto no peito, coração disparado, desespero. Algumas vezes eu acho que não sei mais respirar, as vezes acho que não sei engolir saliva e dali desencadeiam as nóias.

É óbvio que eu sei que todos esses pensamentos são irreais. Eu não sei de onde eles vem e eu juro que tento controlá-los. Na maioria das vezes eu consigo, mas muitas vezes não. Nas crises mais fortes eu sinto o rosto adormecer e fico igual a um zumbi, com tempo de resposta super longo, não consigo raciocinar e muito menos tomar qualquer decisão simples. Depois que passa, vem uma dor no corpo, daquelas que a gente sente quando pega uma gripe.

Eu costumo acordar apavorada no meio da noite, assustadíssima, com pensamentos completamente sem sentido, tipo quando meu pai estava na UTI e eu acordava de madrugada em desespero porque tinha dado o remédio errado pra ele, sendo que eu nunca encostei em medicamento algum.

Cada ambulância que passa, meu coração dispara. Se for no horário que o Felipe está indo ou voltando da escola mesmo, eu não consigo respirar até ele me responder que está bem. Se ele leva cinco minutos a mais do que o normal pra chegar em casa, eu entro em parafusos. E ele é um adolescente, isso vai acontecer muito. Eu explico pra ele que eu fico muito nervosa quando ele não responde e que desencadeia as minhas crises, ele entende e colabora muito. Mas eu não quero ficar enchendo o saco dele. Eu tento evitar, mas as vezes prefiro ligar, e ser uma mãe chata, do que deixar uma nova crise chegar.

Esse post não é um pedido de ajuda. Não adianta me dizer pra ir pegar um ar puro, ou fazer meditação, ou que eu tenho que mudar meu mindset. Eu sei, racionalmente, tudinho o que eu tenho que fazer. E faço. A questão é que quando a crise vem, o racional desliga. Eu tenho o privilégio de ter pessoas com quem eu posso contar quando eu sinto que a coisa está complicando. E essas mesmas pessoas contam comigo também quando precisam pelas mesmas razões. É uma espécie de irmandade das pessoas ansiosas. Não adianta explicar pra quem nunca teve uma crise, ela muito provavelmente vai vir com receitas pra sua cura, o que é extremamente irritante.

Mas Carol, tu não tens vergonha de mostrar tuas fraquezas? É óbvio que tenho!!! Esse post é pra ajudar quem também passa por isso. Pra que saibam que não estão sós e que podem contar comigo pra ouvir os pensamentos mais absurdos na hora da crise, porque sim, saber que não estamos sozinhos faz toda a diferença. E só pra deixar bem claro, a ansiedade não me define, ela é só um pedacinho de mim.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Quase um ano vivendo sem carro

Uma das coisas que precisamos nos desfazer na Califórnia foi nosso carro. Usávamos o carro pra ir ao mercado que ficava a sete minutos de caminhada de casa. O Felipe ia de patinete pra escola, mas muitas vezes achava uma desculpa pra eu ir buscá-lo no final do dia. A escola do Pablo era um pouco menos acessível, tinha um morro íngreme pra subir e tinha que atravessar a high way one. Mas eu sempre saia atrasada, na confiança por ter a conveniência de fazer as coisas no meu tempo. E eu ainda deixava o Pablo no serviço que a escola oferecia, onde eu deixava ele na porta da escola e tinha alguém pra abrir a porta e cuidar dele dali pra frente. Dirigir sempre foi uma paixão e eu era oficialmente a motorista da família. Diego só dirigia nos passeios de fim de semana. E fazíamos TUDO de carro. 

Por burrice pura, compramos um carro zero e financiamos em cinco anos assim que chegamos na Califórnia. Na hora de nos desfazermos dele, o pesadelo. Devíamos mais do que ele valia, e ninguém queria sequer pagar o que ele valia. Em resumo, morremos com mais de dois mil dólares pra alguém comprar o nosso carro. Emojis de lágrimas de desespero. Hahaha.

Chegando em Dublin, alugamos um carro por um dia porque tínhamos um milhão de malas e precisávamos voltar ao aeroporto em algumas horas pra buscar a Fofinha. Foi desesperador. O Diego que estava dirigindo e eu era o copiloto. Mas socorro. As estradas são super estreitas (especialmente se compararmos aos estados unidos, que é tudo imenso), o volante do outro lado e a mão pra dirigir é do outro lado também. Fazia anos que ele (e eu também) não dirigia carro com câmbio manual, pior ainda, ter que passar a marcha com a mão esquerda. Sobrevivemos. No dia seguinte ele devolveu o carro e foi pro trabalho. Ufa, que alívio.

Já tínhamos meio que decidido na Califórnia mesmo que tentaríamos viver sem carro em Dublin. Chegando aqui, tivemos certeza. O trânsito não é inteligente como era na Califórnia. É meio caótico, na verdade. E o transporte público resolve nossa vida. Não é barato, mas gastamos menos do que gastaríamos se tivéssemos um carro. Tem um aplicativo de aluguel de carro que resolveria nossa vida caso precisássemos de carro de vez em quando, mas nossas carteiras de motorista da Califórnia venceram e hoje nenhum de nós dois pode dirigir. E também nenhum de nós dois teve paciência e energia pra enfrentar o processo pra fazer a carteira de motorista aqui.

Como vivem então? Ué.. com as próprias pernocas, de trem ou de busão. Faça frio ou mais frio ainda, sol, chuva ou neve (é bem raro nevar, mas nevou ontem e bem na hora de levar o Pablo pra escola). Simplesmente nos adaptamos. E nem foi tão difícil assim. Nas primeiras semanas os meninos já aprenderam qual o nosso ônibus, que o mundo não gira ao redor do nosso umbigo e que se não chegar no ponto na hora certa, ferrou, vai ter que esperar o próximo ônibus. Aprendemos a não ter pressa e planejar um pouco melhor o dia a dia.

De vez em quando dá vontade de ter carro? Sim, quando tem alguma coisa pra fazer e o mapa mostra que de carro seria quinze minutos e de ônibus uma hora e ainda tem que pegar dois ônibus. Mas dependendo da situação, pegamos um táxi. 

Infelizmente até hoje não peguei um taxista que eu sentisse que tenha sido honesto comigo. O aplicativo mostra um valor, eles no final da corrida adicionam cinco euros, ou fazem caminhos totalmente diferentes do que o aplicativo mostra e a corrida final sai sempre bem mais cara do que a estimativa. Eu juro que tento dar um voto de confiança e acreditar que conhecem o caminho melhor que eu, mas na maioria das vezes a diferença no valor final é muito grande e alguns não tem nem vergonha de colocar cinco euros no final da corrida assim, na cara dura mesmo. E isso é bem frustrante. E não, aqui não tem alternativa como Uber.

O “problema” maior é levar o Pablo pra escola em dia de chuva, e são vinte minutos de caminhada. Mas também já aprendemos que nesses dias vale a pena sair um pouco mais cedo e pegar o ônibus, a mesma linha que o Lipe pega pra ir pra escola, só que uns minutinhos mais tarde. O horário do ônibus não bate muito com os horários da escola, mas a gente se vira. Ou vai cedo e fica esperando no shopping perto da escola, ou acaba chegando uns minutinhos atrasados, se perdermos o ônibus mais cedo. Odeio chegar atrasada, mas as vezes é o único jeito.

Como moramos perto da linha de trem (menos de dez minutos caminhando), o Diego chega rapidinho no trabalho no centro e optamos por pagar uma taxa mensal pela entrega das compras de mercado em casa, já que o mercado fica perto da escola. De vez em quando penso na possibilidade de comprar um daqueles carrinhos de feira pra ver se me adapto, mas por enquanto não senti tanta necessidade.

Tudo tem se ajeitado e estamos encarando o primeiro inverno sem carro numa boa. As vezes acontece de a chuva despencar bem na hora de ir pra escola e claro que bate aquela dúvida se vale mesmo a pena viver sem carro, mas já estamos há quase um ano caminhando e usando transporte público e tá sendo bem tranquilo. Pra falar a verdade, eu morro de vergonha das distâncias que eu tinha preguiça de fazer caminhando.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Voltando a escrever, contando sobre as experiências vividas...

Faz dois anos que escrevi pela última vez no blog. Nesses dois anos TANTA água passou por baixo da ponte. Tanta vida foi vivida, que eu nem sei por onde começar. Tenho tanta coisa pra contar, tanta coisa que eu aprendi, tanta coisa que senti. Se fosse resumir em uma palavra, eu diria que foi INTENSO.

Eu reli alguns dos posts e não sei se consigo escrever com a mesma leveza. Talvez seja a falta de vitamina D ou talvez tenham sido as experiências vividas. Um tempo depois de todo o deslumbramento com a vida na California, algumas coisas começaram a acontecer pra nos mostrar que talvez lá não fosse o nosso lugar. Eu não tinha permissão de trabalho, o visto de turista pra minha mãe e meus cunhados foi negado, assim, sem nenhuma explicação, eles julgaram que minha família era uma ameaça ao país e não permitiram que nos visitassem. Nosso tipo de visto estava sempre nas notícias, como sendo um vilão, que tirava emprego dos americanos e o governo estava fazendo o possível pra dificultar a renovação.

Junto disso, o Diego começou a sentir que as coisas estavam ficando estranhas na empresa e parecia que talvez pedir transferência pra Dublin fosse uma boa opção. Comecei a pesquisar sobre Dublin, mas não conversávamos muito claramente sobre. Eu sabia que em Dublin eu teria permissão de trabalho e que de maneira geral são mais abertos a imigrantes. Eu me preocupava um pouco com o clima, afinal, eu sabia que seria cinza, e eu sempre fiquei jururu nos dias cinzas, antes mesmo de abrir a cortina pra ver que estava cinza. Mas como eu estava morando na California e praticamente nunca chovia, quando chovia, eu ficava feliz, então achei que o clima não seria um problema.

Mas uma coisa me incomodava bastante. Eram as escolas católicas. Nós não temos religião e tudo que eu pesquisava sobre religião nas escolas era assustador. O que eu encontrava na internet eram pessoas furiosas porque seus filhos tinham que "engolir" o catolicismo nas escolas e que não tinham suas crenças respeitadas. E por isso, descartamos a ideia de mudar pra Dublin.

Um dia acordei meio banza e como sempre, tava olhando o instagram. Tinha um post dizendo "o que você faria se não tivesse medo?". Eu ainda estava em modo zumbi, o racional ainda desligado e dentro de mim, talvez até tenha falado alto e não percebi, mas respondi "Iria pra Dublin".

Demorei uns dias pra conversar com o Diego a respeito. Mas lembro muito bem de estarmos deitados conversando, e eu perguntava o que ele queria fazer e ele não queria falar antes de eu falar. E ficamos nessa, fala tu primeiro, não, fala tu.. até que falei, "eu quero ir pra Dublin". E ele disse, "Eu também, mas tava com medo de te falar, porque tenho medo de tu ficar mal como ficou quando fomos pra California."

Quando fui pra California eu fiquei MUITO mal. Eu acho que devo ter entrado em depressão, mas nunca fui diagnosticada, porque nunca fui ao médico falar a respeito, me resolvi com psicoterapia. Resolvi mais ou menos, porque as crises de ansiedade não me largam desde então.

Enfim, o Diego estava com medo de uma nova mudança provocar tudo aquilo de novo em mim. Expliquei que o contexto era completamente diferente e decidimos que ele iria pedir transferência. 

Entre a gente decidir, ele pedir, a empresa responder que sim, a empresa entrar com o processo, o visto ser aprovado e nós mudarmos pra Dublin foram 8 meses. Oito meses de muita pesquisa, oito meses que aproveitamos cada milímetro que foi possível da California. Muito pôr do sol, muitos passeios, muito voluntariado, muitos playdates, muitos castelos na areia...

E então chegou a hora de desmontar a casinha de lego de novo.. decidir o que iria pra Dublin e o que ficaria na California. Mas dessa vez foi TÃO diferente. Foi leve, foi fácil.. Tudo que eu conquistei na California, tudo que aprendi, era algo que não dava de colocar na mala. Estava comigo, e ninguém poderia tirar. Dia 25 de março de 2019 encerrou nosso ciclo California Dreams.